Não é todo dia que um texto escrito para um grupo específico atravessa o instante e continua sendo falado, lido e lembrado semanas depois. Mas foi isso que aconteceu com essa edição do Dani no Divã.
Se você nunca recebeu, precisa entender: o Dani no Divã não é uma aula, não é um devocional, não é uma crônica para agradar. É uma carta semanal, enviada aos sábados, onde Daniela Flieger escreve no calor do que está vivo. Não é conteúdo pronto. É pensamento cru, ainda em processo, mas com a clareza e a força de quem escreve enquanto vive.
Quem lê, sente que está na sala junto, ouvindo a construção de um raciocínio que não foi polido para caber em formato seguro. É diferente de qualquer outra coisa que você encontra na sua caixa de entrada.
E, de todas as cartas já enviadas, essa foi a mais lida. A mais comentada. A que mais gente pediu para guardar.
Hoje, ela está aqui na íntegra. Leia como se fosse sábado de manhã e você acabasse de abrir seu e-mail. O cheiro do café ainda quente no ar, a caneca aquecendo as mãos, a luz suave entrando pela janela, a cidade ainda em silêncio.
Desligue as distrações, deixe o mundo lá fora esperar. Respire fundo, sinta o tempo desacelerar. Entre por inteiro.
Os “boca de azeite”
Data: 17/05/2025
Carta nº: 008
Quando meu marido era criança, na década de 70, enquanto esperava seu pai na calçada, viu um senhor, de cabelos brancos, penteados em topete para trás, com seu terno bem cortado e sapato de bico fino bem lustrado, descer do seu Ford Landau preto e entrar em um empório de produtos sofisticados.
Escolheu cuidadosamente um bom vinho, se recostou no balcão e apontou o queijo que gostaria de provar. Recebeu um pedaço generoso, servido em louça fina, e o regou com um grosso azeite português. Sua boca, abatonzada de azeite, brilhava enquanto ele liberava os aromas do vinho, girando a taça antes de prová-lo.
Ali, nascia, para meu marido, uma referência e uma categoria de pessoas: os “boca de azeite”, sujeitos que se autorizam o prazer, que comem do bom e do melhor, que transitam por espaços requintados e que governam sobre os prazeres deste mundo.
Um dos maiores malefícios do espírito religioso nasce da herança grega de separar o espírito do corpo, resultando na cadeia culposa que impede as pessoas de receberem a revelação do trecho de Isaías 1:19, que diz: “Se quiserdes e me ouvirdes, comereis o melhor desta terra.”
Sim, essa é uma das promessas do Senhor que tem se cumprido em nossa vida: participar do seleto grupo dos “boca de azeite”. E, como se isso não fosse suficiente, Ele ainda nos permite viver essa promessa em tempo remido e libertos das cadeias de Mamon!
Explico: tempo remido, porque os boca de azeite do mundo natural atingem esse status, em geral, depois dos 65, 70 anos, após a aposentadoria. E os mais jovens que têm recursos financeiros e liberdade temporal para transitar nesse circuito, em geral, ou não se apetecem por destinos que valorizam a história e a cultura, ou têm sua alma cativa por Mamon e, por isso, ainda idolatram a fantasia de si mesmos, tirando fotos de si mesmos nos museus e restaurantes, de forma quase obsessiva.
Esses, de fato, nada entendem sobre azeite, em nenhuma de suas manifestações.
Seguindo em nossa viagem, tanto física quanto espiritual, transitamos dos ensinamentos da escola do vento para os prazeres do melhor dessa terra, e, em todas essas coisas, somos forjados, tanto em nossa identidade humana quanto em nossa identidade espiritual.
É muito comum, nos ensinamentos da sabedoria humana, a ideia de “se permitir”, de comprar ou utilizar roupas ou acessórios de um patamar financeiro que se almeja, como um ato profético. Tudo isso tem seu efeito e valor dentro da compreensão das leis metafísicas que regem a dimensão em que vivemos, mas, em Deus, tudo isso é vã filosofia, e naturalmente tem suas limitações.
Nele, o caminho é totalmente diferente e, consequentemente, os resultados são imensuráveis em termos de governo.
José não “manifestou” sua posição de governador do Egito. Ele não subiu degraus de influência até atingir o topo; ele foi forjado na injustiça e na perseguição para ter condição de sustentar um governo espiritual sobre a realidade espiritual que brilhava no Egito, mas que não seduzia José, pois ele não aspirava por ela.
A brincadeira não é “manifestar” o que você deseja. A brincadeira é ser liberto do que você deseja e ser colocado para governar sobre essa realidade.
A forja para o exercício de governo envolve tanto a escassez quanto a abundância. Em ambas, precisamos aprender que apenas passamos por elas, mas elas não nos têm, nem o medo nos tem, nem o prazer nos tem.
Estamos livres quando os espelhos se quebram, quando o deserto não reflete mais quem somos, apenas reflete quem Ele é. Da mesma forma, o ouro desse mundo também não reflete quem somos; apenas nos conta sobre quem Ele é e sobre Seus propósitos para nós.
No livro de Provérbios 22:29, aprendemos que o homem diligente em sua obra será colocado (por Ele) perante reis!
Nessa forja, vivemos lindos processos de cura, como os que vivi em Sevilla. Ir à Feira de Sevilla era um sonho de adolescente, que eu pensava que só poderia viver quando estivesse livre das obrigações da vida adulta, como a rotina escolar dos filhos e os compromissos profissionais.
Mas Ele faz questão de se revelar como um Pai amoroso, que não mede esforços para provar, em fatos, Seu amor leal. Esse perfeito amor lança fora, das memórias mais incrustadas de nosso DNA, todo o medo, e eu precisava dessa cura antes de pisar na Áustria e na memória da guerra. Sem essa injeção de amor e experiência da minha alma como Sua filha amada, eu não teria condição de tomar a porção de governo que me esperava na Áustria.
Ele nos conduz em uma linda valsa, ora com passos na alma e vivências de cura, ora com passos no espírito e experiências de liberdade e expansão. Espero que me acompanhar nessa viagem te sirva como referência para aprender a dar um passo com a alma e outro com o espírito, e que possamos bailar esses passos…
Vivemos dias maravilhosos, transitando entre os “boca de azeite”, contemplando tudo aquilo que nos é rico histórica e culturalmente, e essa é uma das facetas menos compreendidas do amor de Deus. Sim, Ele nos promete o melhor desta terra; sim, Ele nos promete prestígio e acesso; mas, como um Pai sábio, primeiro nos prepara para isso.
Beijo,
Dani
Isso foi só uma das cartas.
Agora você entende por que essa carta ficou na memória de tanta gente. E também percebe o risco que corre: ler uma e querer mais, imediatamente.
O Dani no Divã não é leitura que se consome e se esquece. É como aquele primeiro gole de café forte no dia frio: acorda, aquece e vicia. Depois que você sente, não dá para voltar a viver sem.
Essa foi só uma. Imagine ter em mãos todas as cartas que já deixaram gente acordada de madrugada pensando, rindo sozinha ou respirando mais fundo.
Foi exatamente por isso que resolvemos reunir as mais lidas em um único lugar, para que você possa se perder nessas páginas de uma vez, mergulhar sem hora para sair e voltar nelas sempre que precisar sentir de novo o que uma boa carta provoca.
Não é exagero dizer: quando você terminar, vai contar os dias até a próxima chegar